Lei 13.718/18
Delegado de Polícia
Lúcio Valente

Delegado e Professor

Sou Delegado de Polícia da PCDF e ministro as matérias: Direito Penal, Criminologia, Processo Penal e Legislação Penal Extravagante nos principais cursos de Brasília.

Lei 13.718/18 – Alterações nos crimes contra a dignidade sexual

O Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a
vigorar com as seguintes alterações:
“Importunação sexual
Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o
objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais
grave.”

1. Trata-se da conduta de praticar contra alguém (pessoa ou pessoas específicas) e sem a sua anuência (o que é óbvio!) ato libidinoso (ex.: toques, beijos, encostar o corpo de forma libidinosa) com o objetivo (dolo específico) de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro.

2. A pena é de reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave (subsidiariedade expressa).

3. O tipo penal substitui a contravenção penal de “importunação ofensiva ao pudor”, que fica revogada. Como se trata de norma mais grave, aqueles que praticaram a contravenção penal continuam respondendo por ela, e não pela lei nova.

4. Continuidade típico-normativa: em que pese a revogação da contravenção penal, não houve abolitio criminis, tendo em vista que houve deslocamento do conteúdo criminoso para outro tipo penal.

5. Considerando a pena cominada, a infração pode ser considerada de médio
potencial ofensivo, admitindo a possibilidade de suspensão condicional do
processo.

6. Trata-se de crime material, admitindo-se a tentativa.

7. Crime comum quanto ao sujeito ativo. Crime de consumação instantânea (não
se trata de crime permanente, portanto).

8. Sujeito passivo deve ser determinado. Caso seja indeterminado (ex.:
masturbação em público) o crime de é de ato obsceno (art. 233).

9. Fiança: não pode ser aplicada em sede policial, devido a pena máxima ser
superior a 4 anos.1

10.O que é ato libinoso? Libido é o desejo ou impulso sexual de um homem ou
mulher. Ato libidinoso é todo aquele que exterioriza esse impulso, como em toques lascivos, encostar na vítima de forma libidinosa (como ocorre em locais de aglomeração).

11.Ausência de violência ou grave ameaça: caso haja violência ou grave ameaça, o crime será de estupro (art. 213). No caso de vítima menor de 14 anos, caso o agente tenha conhecimento desse fato, o crime deve ser tipificado como estupro de vulnerável (art. 217-A).

12.Dolo específico: a conduta libidinosa deve ter por finalidade específica satisfazer a lascívia própria ou de terceiro. Não há crime, por exemplo, no toque em partes íntimas para fins de exames clínicos. Ação Penal: ação penal pública incondicionada, conforme nova redação do art. 225.

“Art. 217-A.
§ 5º As penas previstas no caput e nos §§ 1º, 3º e 4º deste artigo aplicam-se
independentemente do consentimento da vítima ou do fato de ela ter mantido relações sexuais anteriormente ao crime.” (NR)

1. Vulneráveis e consentimento para o ato: a pessoa vulnerável é aquela que, seja
em razão de sua idade (menor de 14 anos) ou de sua especial condição (ex.: vítima em coma, doente mental etc.), está mais vulnerável a intervenções de terceiros quando no exercício de sua sexualidade. Dessa maneira, eventual consentimento do vulnerável para a prática de atos sexuais é presumidamente inexistente (presunção legal). É o que determina o novo §5o do art. 217-A (as penas previstas no caput e nos §§ 1º, 3º e 4º deste artigo aplicam-se independentemente
do consentimento da vítima ou do fato de ela ter mantido relações sexuais
anteriormente ao crime).

2. Esse já era o posicionamento da SÚMULA N. 593 STJ: o crime de estupro de
vulnerável se configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com
menor de 14 anos, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente.

Como esse tema já foi cobrado

No estupro de vulnerável, o consentimento não opera como causa permissiva e sua aferição, seja na forma direta ou por equiparação, é obtida pela conjunção dos critérios biológicos e psicológicos da culpabilidade (Delegado/PCMS/2017).2

Divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de
cena de sexo ou de pornografia

Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda,
distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio – inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registrobaudiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais
grave.

Aumento de pena
§ 1º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é
praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação.

Exclusão de ilicitude
§ 2º Não há crime quando o agente pratica as condutas descritas no caput deste
artigo em publicação de natureza jornalística, científica, cultural ou acadêmica com a adoção de recurso que impossibilite a identificação da vítima, ressalvada sua prévia autorização, caso seja maior de 18 (dezoito) anos.

DIVULGAÇÃO DE CENA DE ESTUPRO OU DE CENA DE ESTUPRO DE
VULNERÁVEL, DE CENA DE SEXO OU DE PORNOGRAFIA (ART. 218-C)

3. Trata-se da conduta de oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou
expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio – inclusive por
meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática –,
fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável (neste caso apenas na vulnerabilidade de quem
por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, uma vez que, em sendo menor de 18, o tipo seria o do art. 241 ou 241-A, do ECA) ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia.

4. Tratando-se de vítima menor de dezoito anos, o comportamento do agente pode subsumir-se ao disposto nos arts. 241 ou 241-A, ambos do ECA, a depender das circunstâncias do caso concreto.

5. Como se vê, o tipo inclui a conduta de quem, por exemplo, compartilha cena de sexo, nudez ou pornografia sem o consentimento da vítima.

6. Aumento de pena (§1o): a pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação.

7. Como era a tipificação antes da criação do novo tipo? A maioria subsumia o comportamento apenas ao tipo da injúria majorada na forma do art. 141, inc. III, do CP – em razão de ter sido cometida por meio facilitador da divulgação da ofensa.

8. Exclusão de ilicitude (§2o): não há crime quando o agente pratica as condutas descritas no caput deste artigo em publicação de natureza jornalística, científica, cultural ou acadêmica com a adoção de recurso que impossibilite a identificação da vítima, ressalvada sua prévia autorização, caso seja maior de 18 (dezoito) anos. 

“Art. 225. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública incondicionada.
Parágrafo único. (Revogado).” (NR)
AÇÃO PENAL (ART. 225)

9. Conforme o novo art. 225, a regra para iniciativa da ação penal passa a ser
pública incondicionada. Entende a doutrina que as regras de ação penal devem
respeitar o princípio da retroatividade da lei mais benigna por ter caráter de Direito Penal (pelo menos em parte). Por isso, aos crimes em andamento não se aplicarão as novas regras, salvo se mais benignas. É que a ação pública incondicionada é sempre pior para o réu já que não conta com vários institutos extintivos como a decadência e a perempção. 

10. Polêmica sobre a aplicabilidade da Súmula 608 do STF: a súmula diz que
no crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública
incondicionada. Agora, com a nova redação, a Súmula, apesar de válida, perdeu a
razão de existir.

11.Vítima temporariamente desacordada

Ação penal é pública condicionada à representação (posição da 6ªT do STJ)

Procede-se mediante ação penal condicionada à representação no crime de estupro praticado contra vítima que, por estar desacordada em razão de ter sido anteriormente agredida, era incapaz de oferecer resistência apenas na ocasião da
ocorrência dos atos libidinosos (STJ, 6ª T, Informativo 553)

Ação penal é pública incondicionada (Posição da 5ªT do STJ)

Em casos de vulnerabilidade da ofendida, a ação penal é pública incondicionada, nos moldes do parágrafo único do art. 225 do Código Penal. Constata-se que o referido artigo não fez qualquer distinção entre a vulnerabilidade temporária ou
permanente, haja vista que a condição de vulnerável é aferível no momento do cometimento do crime, ocasião em que há a prática dos atos executórios com vistas à consumação do delito (STJ, 5ªT, RHC 72.963/MT, DJe 15/12/2016).

Como esse assunto já foi cobrado
O STJ já decidiu pela exigência de representação do ofendido ou de seu
representante legal em caso de vulnerabilidade fugaz, no crime de estupro de vulnerável (Delegado/PCPA/2016).

“Art. 226. …………………………………………………………………………………………………………………………
II – de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão,
cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por
qualquer outro título tiver autoridade sobre ela;
……………………………………………………………………………
IV – de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se o crime é praticado: Estupro coletivo
a) mediante concurso de 2 (dois) ou mais agentes; Estupro corretivo
b) para controlar o comportamento social ou sexual da vítima.” (NR)
“Art. 234-A. …………………………………………………………………………………………………………………………
III – de metade a 2/3 (dois terços), se do crime resulta gravidez;
IV – de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se o agente transmite à vítima doença
sexualmente transmissível de que sabe ou deveria saber ser portador, ou se a vítima é idosa ou pessoa com deficiência.” (NR)

12. Causas de aumento de pena (art. 226): a pena é aumentada de quarta parte
se o crime é cometido em concurso de pessoas (inciso I) ou de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem
autoridade sobre ela (inciso II).

13.Estupro coletivo e corretivo (inciso IV): a pena será aumentada de 1/3 (um
terço) a 2/3 (dois terços), se o crime é praticado:
a. Estupro coletivo: mediante concurso de 2 (dois) ou mais agentes;
b. Estupro corretivo: para controlar o comportamento social ou sexual
da vítima Estupro corretivo: para controlar o comportamento social
ou sexual da vítima (abrange, em regra, crimes contra mulheres
lésbicas, bem como outras pessoas bissexuais e transexuais, no qual
o abusador quer “corrigir” a orientação sexual ou o gênero da vítima).

Art. 3º Revogam-se:
I – o parágrafo único do art. 225 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de
1940 (Código Penal);
II – o art. 61 do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 (Lei das
Contravenções Penais).
Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 24 de setembro de 2018; 197o da Independência e 130o da República.
JOSÉ ANTONIO DIAS TOFFOLI
Gustavo do Vale Rocha
Grace Maria Fernandes Mendonça
Este texto não substitui o publicado no DOU de 25.9.2018

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